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A QUEBRA ANTECIPADA DO CONTRATO



A QUEBRA ANTECIPADA DO CONTRATO – ANTICIPATORY BREACH – E SUA EQUIVALÊNCIA AO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL 




Por Leandro Bonini Farias – OAB/SP 258.513 


O presente artigo pretende, de modo direto, trazer ao debate a necessária pacificação do tema da anticipatory breach dentro da doutrina do direito imobiliário nacional após a publicação do famigerado Tema 1.095 pelo STJ.

 

Em sessão da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça no dia 26 de outubro de 2022, fixou-se a seguinte tese no TEMA 1.095: 


"Em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária devidamente registrado, a resolução do pacto, na hipótese de inadimplemento do devedor, devidamente constituído em mora, deverá observar a forma prevista na Lei nº 9.514/97, por se tratar de legislação específica, afastando-se, por conseguinte, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor” 


Dentre as inúmeras críticas sobre o Tema, várias bastante ácidas, a questão da anticipatory breach acabou ofuscada, não tendo o merecido destaque não somente no debate do Tema 1.095 em si, mas na própria importância que o judiciário brasileiro precisa dar a este relevante instituto largamente aceito nas maiores e mais sedimentadas democracias do mundo, que ainda encontra resistência para ser aplicada por aqui. 


Mas o que seria a anticipatory breach? Em termos simplistas, é a quebra antecipada do contrato, ou seja, a demonstração inequívoca contrária à manutenção do contrato. 

Vamos aos fundamentos.  


Temos que uma obrigação tal qual como prevista no Código Civil consiste em um vínculo entre credor e devedor acerca de uma prestação com natureza temporária, marcada desde o início para se extinguir com o seu cumprimento. Numa outra definição, tem-se a obrigação como uma relação pela qual alguém deve cumprir determinada prestação em favor de outrem, ou se sujeita o devedor a uma determinada prestação em prol do credor.


No conceituar de Jefferson Daibert, “obrigação é a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio”(Rizzardo, Arnaldo. Direitos das Obrigações, 9ª edição. Disponível em: Minha Biblioteca, Grupo GEN, 2018)


As obrigações decorrentes de negócio jurídico contratual são, em regra, pautadas por bilateralidade (ou sinalagma) e são pretensamente equânimes, onde uma parte busca cumprir sua obrigação e ver cumprida a obrigação que a contraparte se obrigou.

  

Como ensina o mestre Orlando Gomes (GOMES, Orlando. Contratos. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994), a essência dos negócios sinalagmáticos (ou bilaterais) é o sinalagma, consistente na dependência recíproca das obrigações por eles geradas – afinal, cada um dos contraentes constitui simultânea e reciprocamente credor e devedor do outro.

 

Desta forma, com a formalização do negócio jurídico realizado pela assinatura de um instrumento de contrato, da forma com que ele se aperfeiçoe, gera razoável expectativa em ambas as partes que, se cumprir aquilo que se comprometeu, receberá em troca aquilo que a outra parte se comprometeu.

 

Fica evidente que é raso o entendimento de que, tão somente pelo não pagamento do preço, existe inadimplemento do contrato, porquanto atos comissivos ou omissivos que demonstrem, de modo inequívoco, que as obrigações assumidas por uma das partes não serão cumpridas são, se não mais, ao menos tão reprováveis quanto o mero inadimplemento financeiro do contrato.

 

Veja-se, a Lei protege o credor contra o não pagamento das parcelas, impondo ao devedor multas e encargos pela inadimplência, porém não protege o credor quando o devedor declara, em alto e bom som que não quer mais cumprir o contrato, não importa o quanto já tenha usufruído daquilo que o credor já cumpriu?

 

Colocando nos termos dos imóveis financiados pelo sistema de garantia por alienação fiduciária, algo superior à 90% dos financiamentos existentes no pais, a decisão do STJ no Tema 1.095 alberga que o inadimplente financeiro se submete à Lei 9.514/97, Lei está que dá ao credor garantia e segurança jurídica relevante para poder conceder crédito em níveis civilizados, enquanto o credor do cliente que nem em mora fica, apenas desiste, joga a toalha, não está albergado pela mesma segurança jurídica. 


A decisão, de modo equivocado no entendimento deste advogado, não equipara a desistência do contrato, o mais brutal e evidente descumprimento contratual possível, porquanto é a afirmação de que o contrato não será cumprido em nenhuma hipótese, com o inadimplemento de parcelas do preço, em uma dita interpretação literal dos art. 26 e 27 da Lei 9.514/97, que não se sustenta em uma análise minimamente crítica do texto legal.

 

Felizmente o voto convergente da sempre perspicaz Ministra Nancy Andrigui (STJ – Recurso Especial 1.891.498 – SP – Rel Min Marcos Buzzi – Voto Vogal) traz alento e esperanças de que, apesar do texto do acórdão que deu base ao Tema 1.095, tal posição equivocada não se sustentará por muito tempo, senão vejamos: 


36. Conquanto o legislador tenha feito menção expressa à dívida vencida e não paga, “o inadimplemento, referido pelas disposições dos arts. 26 e 27 da Lei 9.514/97, não pode ser interpretado restritivamente à mera não realização do pagamento no tempo, modo e lugar convencionados (mora), devendo ser entendido, também, como o comportamento contrário à manutenção do contrato ou ao direito do credor fiduciário” (REsp 1.867.209/SP, Terceira Turma, DJe de 30/9/2020). No mesmo sentido: REsp n. 1.930.085/AM, Terceira Turma, DJe de 18/8/2022 e REsp n. 1.792.003/SP, Terceira Turma, DJe de 21/6/2021.  

37. Não há, no ordenamento jurídico brasileiro, regra geral prevendo o mecanismo do vencimento antecipado do contrato. No entanto, a aplicação do instituto é admitida pela jurisprudência (REsp n. 309.626/RJ, Quarta Turma, DJ de 20/8/2001; REsp n. 1.792.003/SP, Terceira Turma, DJe de 21/6/2021) e pela doutrina, “em analogia com a modelagem da exceptio non adimpleti contractus e, de modo especial, da exceção de inseguridade (art. 477), uma ou outra devendo ser, conforme o caso, conectada com o princípio da boa-fé objetiva (art. 422)” (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil: do inadimplemento das obrigações. Vol. V. Tomo II. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 244).  

38. O incumprimento antecipado do contrato ocorrerá sempre que o devedor praticar atos contrários ao cumprimento do negócio jurídico. Pode resultar, assim, de conduta comissiva, omissiva ou de declaração expressa do devedor no sentido de que não irá cumprir a obrigação (AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Comentários ao Novo Código Civil. Vol. VI. Tomo II. Rio de Janeiro: Forense, 2011, pp. 580-581).  

39. Nessa linha de ideias, o pedido de resolução do contrato de compra e venda com pacto de alienação fiduciária em garantia, por desinteresse do adquirente na sua manutenção, qualifica-se como quebra antecipada do contrato (“antecipatory breach”), tendo em vista que revela a intenção do adquirente (devedor) de não pagar as prestações ajustadas.  

40. Destarte, o inadimplemento contratual, para fins de aplicação dos arts. 26 e 27 da Lei nº 9.514/1997 não se restringe à ausência de pagamento no tempo lugar e modo contratados, mas abrange também o comportamento contrário do devedor ao cumprimento da avença (quebra antecipada do contrato), manifestado por meio do pedido de resolução do contrato por impossibilidade superveniente de arcar com os valores contratados. 

Como brilhantemente explicado pela Ministra Nancy, não faz sentido que a Lei seja aplicável para um tipo específico de descumprimento contratual, até de menor poder ofensivo porquanto passível de purgação de mora com certa facilidade, porém ser afastada nos casos em que o devedor atenta contra o próprio motivo de ser do contrato, agindo de modo inconsequente. 


A necessidade do entendimento de que a quebra antecipada do contrato – anticipatory breach – é não só equivalente ao inadimplemento, como na verdade é muito pior porquanto atenta contra a própria razão de ser do negócio jurídico sinalagmático, é premente, visando dar segurança jurídica aos agentes do mercado, pois hoje estão no limbo.

  

O mesmo Superior Tribunal que, de modo pacífico nos últimos anos, prestigiou a Lei 9.514/97, dando base para que ela se tornasse o único meio realmente seguro de se conceder crédito imobiliário no Brasil, aumentando de modo exponencial o acesso ao crédito e balizando o crescimento de uma indústria que se mantém como uma das mais relevantes tanto na geração do PIB como no mercado de trabalho, conseguiu em uma decisão errática gerar uma bagunça jurídica que os Tribunais Estaduais estão permitindo proliferar tal como um vírus.

 

Os Tribunais e juízes das instância inferiores receberam o texto do Tema 1.095 e agora o aplicam a contrario sensu, afastando todo o instituto da Lei 9.514/97 nos casos de quebra antecipada de contrato por desistência do comprador, rescindido um contrato já findo (compromisso de venda e compra), ignorando a consecução do contrato de venda e compra como final e completo, determinando devolução de valores sem que o imóvel saia da propriedade do devedor desistente inadimplente e vá ao credor adimplente, ou seja, uma fábrica de enriquecimento sem causa.

 

Novamente, nos apegamos ao STJ para que reorganize a confusão que ele perpetrou, e que tão criticado está sendo por isso, utilizando algumas boas e necessárias decisões monocráticas, como a do Ilustre Min. João Otávio de Noronha (REsp 2089340 – 24/08/2023) 

No presente caso não há que se falar na aplicação do entendimento consolidado pelo STJ conforme o julgamento do REsp nº 1.891.498/SP, afetado pela sistemática dos recursos repetitivos (Tema 1095) que, efetivamente, cuida de situação diversa em que há inadimplemento do devedor regularmente constituído em mora com a consolidação da propriedade em favor da credora fiduciária. [...] No presente caso não há comprovação de que o autor estivesse inadimplente, nem tenha o adquirente sido constituído em mora nos exatos termos do procedimento especial estabelecido nos artigos 26 e 27 da Lei nº 9.514/97, de forma que, na ausência do requisito acima apontado as partes permanecem no âmbito do direito pessoal, possibilitando, assim, a rescisão do contrato da alienação, com aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

 

Assim, afastada a aplicação da tese fixada conforme o Tema 1095, passa-se a regular análise do recurso sob os ditames do Código de Defesa do Consumidor. Em relação à violação dos arts. 23, 26, 27 e 29 da Lei n. 9.514/1997, o entendimento adotado no acórdão recorrido não se coaduna com a jurisprudência firmada pelo STJ de que nos casos de compra e venda de imóvel mediante garantia de alienação fiduciária deve prevalecer rescisão do contrato de acordo com a Lei n. 9.514/97.(...) 


Ante o exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que proceda o julgamento de acordo com a Lei n. 9.514/1997 e com o entendimento jurisprudencial desta Corte Superior, consoante fundamentação supra.

 

A posição do Ministro, já reverberada em outras com o mesmo teor, demonstra que o Superior Tribunal de Justiça entende que inexiste aplicação do Tema 1.095 a contrariu sensu, e não ocorrendo as hipóteses específicas do Tema, o caso deve ser analisado à luz da jurisprudência pacífica do STJ, que equipara sim a desistência à inadimplência para fins da aplicação dos arts. 26 e 27 da Lei 9.514/97, o que traz esperança que em breve, a anticipatory breach será efetivamente regulamentada, ao menos, na jurisprudência do Tribunal da Cidadania. 

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