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Foto do escritorGiuliana Barberis

NOVA LEI DE DISTRATOS NO MERCADO IMOBILIÁRIO




A aquisição de um imóvel em construção representa uma das decisões mais significativas e importantes na vida financeira de uma pessoa.  


A dicotomia na escolha entre alugar e comprar um imóvel é uma dúvida muito presente na vida dos Brasileiros, que passam anos analisando as melhores perspectivas de mercado para finalmente tomar a decisão de comprar. Isso se deve ao fato de que, para a imensa maioria, tal decisão implica em comprometer recursos financeiros consideráveis em relação à sua renda.  


Com a falta de espaço nos principais centros urbanos e a consequente elevação do valor de mercado do metro quadrado nas principais capitais, poucos têm a capacidade de adquirir um imóvel à vista, resultando na necessidade quase sempre inevitável de um longo financiamento, associado a compromissos estendidos ao longo de anos ou até décadas, seja com a incorporadora ou com uma instituição financeira. 


Do ponto de vista da empresa incorporadora, o processo de planejamento que vem desde a aquisição de terreno, estudo de viabilidade econômica, aprovação e construção do empreendimento é uma tarefa complexa e desafiadora. 

Isso se deve à responsabilidade de entregar, dentro de um prazo definido, uma construção de alto valor e em perfeito estado de habitabilidade. 


Os imóveis são comercializados ainda na planta, logo na fase de lançamento do empreendimento e essas transações ocorrem, normalmente, através de um compromisso de venda e compra, ou seja, um instrumento preliminar, sem a outorga da escritura definitiva.  


Mas, o que acontece se o consumidor simplesmente desistir da aquisição na qual se comprometeu? Seja por motivos financeiros ou não.  


O distrato de compromissos de venda e compra é uma questão complexa e que, durante muitos anos veio sendo objeto de entraves e discussão no poder judiciário.  


Embora a promessa de venda e compra de um imóvel seja geralmente irretratável, a jurisprudência consolidou o entendimento de que o comprador, esteja em dia ou não com suas obrigações, pode solicitar o desfazimento do negócio, recebendo de volta parte dos valores pagos já que o artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor assim preconiza.  


A falta de consenso no tocante ao percentual de devolução desses valores e a falta de segurança jurídica para as construtoras, que se viam obrigadas, muitas vezes, a devolver mais que 100% dos valores pagos, deu origem a Lei de Distratos, Lei 13.786/2018. 


A referida Lei passou a prever percentuais máximos pré-definidos em caso de rescisão por parte dos compromissários compradores, vejamos:  

I - a integralidade da comissão de corretagem; 

II - a pena convencional, que não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga. 

§ 1º Para exigir a pena convencional, não é necessário que o incorporador alegue prejuízo. 

§ 2º Em função do período em que teve disponibilizada a unidade imobiliária, responde ainda o adquirente, em caso de resolução ou de distrato, sem prejuízo do disposto no caput e no § 1º deste artigo, pelos seguintes valores: 

I - quantias correspondentes aos impostos reais incidentes sobre o imóvel; 

II - cotas de condomínio e contribuições devidas a associações de moradores; 

III - valor correspondente à fruição do imóvel, equivalente à 0,5% (cinco décimos por cento) sobre o valor atualizado do contrato, pro rata die; 

IV - demais encargos incidentes sobre o imóvel e despesas previstas no contrato. 

§ 3º Os débitos do adquirente correspondentes às deduções de que trata o § 2º deste artigo poderão ser pagos mediante compensação com a quantia a ser restituída. 

§ 4º Os descontos e as retenções de que trata este artigo, após o desfazimento do contrato, estão limitados aos valores efetivamente pagos pelo adquirente, salvo em relação às quantias relativas à fruição do imóvel. 

§ 5º Quando a incorporação estiver submetida ao regime do patrimônio de afetação, de que tratam os arts. 31-A a 31-F desta Lei, o incorporador restituirá os valores pagos pelo adquirente, deduzidos os valores descritos neste artigo e atualizados com base no índice contratualmente estabelecido para a correção monetária das parcelas do preço do imóvel, no prazo máximo de 30 (trinta) dias após o habite-se ou documento equivalente expedido pelo órgão público municipal competente, admitindo-se, nessa hipótese, que a pena referida no inciso II do caput deste artigo seja estabelecida até o limite de 50% (cinquenta por cento) da quantia paga. 


Ocorre que, embora haja uma determinação legal, muitas vezes a Lei de Distratos não é aplicada tal qual foi preconizado pelo legislador, sendo certo que seria preciso que a Lei dos Distratos fosse declarada inconstitucional em controle difuso de constitucionalidade ou ao menos declarada ilegal, o judiciário apenas decidiu ignorá-la, como se não existente no compêndio de normas que o juiz é obrigado a utilizar.  


Como trazido em um dos mais tradicionais brocardos, da mihi factum, dabo tibi ius! O juiz conhece a Lei, e para não aplicá-la precisa de fundamentação para afastá-la, declará-la inconstitucional, ilegal ou hierarquicamente inferior a outra norma! Não se pode simplesmente ignorá-la, sob pena de trazer mais insegurança jurídica no país. 


Como explicar que a aplicação literal e explicita da letra da Lei no contrato pela construtora, que adequou seus contratos para não estar em divergência com a Lei discutida e aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pela Presidência da República, foi simplesmente afastada sem qualquer fundamentação? 


A Lei 13.786/18 e o contrato que faz Lei entre as partes deve ser, sobremaneira, respeitado, sob pena de clara afronta a lei federal em vigor. 


Cabe ao Poder Judiciário analisar se o contrato firmado pelas partes é válido, legal, e assim sendo, deveria ser integralmente aplicado. Considerar válido, mas não o aplicar é, no mínimo, contrariar a Lei em vigor, os ditames legais e causar grande insegurança jurídica. 

Ademais, importante firmar que a Lei de Distratos não é, de nenhuma forma, contrária ao


Código de Defesa do Consumidor, até porque se assim fosse, dificilmente teria sido aprovada e estaria em vigência. O CDC, como é notório, proíbe a previsão de perda total das quantias pagas, o que não é o caso, uma vez que o próprio contrato e a Lei admitem no máximo uma multa de 50% dos valores pagos. 

Importante esclarecer que o estamos debatendo o caso em que o contrato foi devidamente assinado pelas partes como livre demonstração de sua vontade, possuindo os requisitos de validade. Desta forma, não tem como desconsiderar o que fora pactuado, na medida em que não se vislumbra qualquer mácula capaz de anular um contrato de compra e venda celebrado por partes maiores, capazes e em consonância com a Lei e com o princípio do pacta sunt servanda


Por evidente, tendo a construtora constantes desfalques durante a construção traz efetivo e real risco de impossibilidade financeira de finalização da obra, o que é prejuízo muito maior à grande maioria dos consumidores, esforçados e adimplentes de suas obrigações. A necessidade de preservação do capital necessário a finalização do empreendimento, ao menos durante o prazo da obra onde nada é retirado como distribuição de lucro à Construtora, é medida mínima a garantir os direitos não só do consumidor, mas principalmente dos demais clientes.  


Assim, a jurisprudência e a visão atual precisam ser imediatamente combatidas, porquanto limitadas e irrefletidas. Tal decisão traz, como consequência imediata: 

  • Desincentivo ao mercado imobiliário, à geração de empregos e de impostos; 

  • Incentivo ao descumprimento dos contratos. Dia chegará que atingirá também aos demais contratos que não de compra de imóveis; 

  • Incentivo à indústria de distratos imotivados de contrato; 

  • Incentivo à decadência dos princípios éticos da sociedade; 

  • Incentivo à lotação dos tribunais; 

 

Fácil notar que as consequências deste olhar oblíquo sobre o mercado imobiliário aprofundarão a crise econômica do país, agravando o desemprego e potencializando aquela que talvez seja a maior causa de toda a desgraça da sociedade brasileira, que é falta de ética e de comprometimento com os valores sociais e com os princípios garantidores do equilíbrio da sociedade. 

 

No entanto, uma questão crucial ao longo do tempo tem sido o percentual dos valores pagos que a incorporadora pode reter em caso de distrato. Decisões anteriores à legislação variavam entre 10% e 25%, sendo que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) chegou a consolidar o percentual em torno de 25%. A Lei dos Distratos buscou regulamentar essa situação, estabelecendo diferenças entre empreendimentos submetidos ao patrimônio de afetação e aqueles que não adotam tal regime. 


A divergência entre decisões judiciais persiste, especialmente em relação à penalidade de 50% das importâncias pagas em empreendimentos com patrimônio de afetação. Alguns consideram esse percentual excessivo, invocando o artigo 413 do Código Civil para a redução equitativa da penalidade. O STJ tem apresentado decisões favoráveis e contrárias a essa cláusula. 


É crucial reconhecer que as decisões judiciais que afastam a penalidade permitida pela Lei não consideram adequadamente os impactos e riscos significativos que os distratos representam para a incorporadora, o patrimônio de afetação e os demais consumidores.  


A Lei dos Distratos visa equilibrar essa relação contratual, desencorajando a desistência abusiva que pode prejudicar gravemente a atividade essencial de produção de moradias. A norma procura proteger o empreendimento e os consumidores que permanecem comprometidos, buscando pagar suas parcelas com a expectativa justa de receber sua propriedade. 


Afora toda a questão legal e jurisprudencial que se enfrenta no presente recurso, não podemos nos olvidar que a função da justiça pública, como ente último de resolução das demandas, é estabelecer a paz social através da pacificação dos conflitos, de maneira a equalizar direitos e obrigações, punindo aquele que causa danos, preservando os direitos de que sofreu o dano, e diferenciando um do outro. 


Vamos fazer uma comparação simplista, se estivéssemos diante de um financiamento de um carro, teria o consumidor direito de suspender os pagamentos de parcelas, continuar a usar o veículo e, ao final, de receber 100% dos valores que pagaram com juros e correção monetária, ao ponto de conseguirem capacidade financeiro para comprar um carro novo? 


Portanto, a compreensão plena dessa questão vai além da relação individual entre comprador e incorporadora. Envolve a saúde financeira do patrimônio de afetação e a necessidade de proteger os demais adquirentes, bem como a atividade econômica e social de produção de moradias acessíveis. O desincentivo aos distratos abusivos é crucial para manter a estabilidade nos setores imobiliário e financeiro, evitando custos adicionais, riscos para as empresas, dificuldades no financiamento e o aumento das taxas de juros bancários. A importância dessa questão transcende, assim, a simples relação contratual entre as partes envolvidas. 

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